Raphael Draccon & Cláudia Leitte
Quando conheci Cláudia Leitte, ela ainda era uma integrante da banda de axé Babado Novo.
Eu havia ido até o escritório da Aquarela Filmes para conversar sobre outro projeto com o diretor Toth Brondi, quando este, “do nada”, vira e me pede:
- Cara, me ajuda!
- Que foi, Toth?
- Eu preciso filmar um clipe na segunda-feira, tá tudo pronto, a casa alugada, mas ainda não tenho uma história!
Detalhe: era uma sexta-feira.
- Clipe de quem?
- De uma banda de axé. O Babado Novo.
- E qual o nome da música?
- “Bola de Sabão”. Se você topar, eu te mando o mp3 agora!
E Toth Brondi abriu o arquivo, e começou a tocar “Bola de Sabão” na sala.
Admito que a princípio não foi algo lá tão simples escutar a música e bolar uma história em dois dias.
Além disso, videoclipes são diferentes. É sempre tudo muito corrido, e “pra ontem”, e você, como roteirista, precisa agradar ao diretor, ao produtor musical e às estrelas do clipe.
No caso, por exemplo, Cláudia queria parecer “mais mulher”, caminhando no sentido oposto da imagem, por exemplo, de Kelly Key, que cada vez mais se voltava – e ainda se volta – ao público infantil.
Logo, em casa comecei a imaginar a história de um garoto que abrisse o computador, e visse um e-mail com um link chamado “Bola de Sabão”.
Ele abriria o link, e Cláudia apareceria em um vídeo. Ele daria o “play” e ela começaria a cantar.
Mas com um detalhe fantástico: ela cantaria para ele.
E ele começaria a perceber que conforme ia mexendo na tela, ele alterava o vídeo.
O roteiro original era bem complexo; havia lido o blog de Cláudia inteiro, e colocado referências a filmes e livros que ela gostava, além de ter criado algumas cenas que os marmanjões adorariam ver.
Entreguei o roteiro no sábado. No domingo, Toth me ligou e disse: “cara, o roteiro tá bom. Mas só tem um problema: a gente não tem orçamento praquilo tudo! Vamos ter de cortar no mínimo pela metade!”.
E meteram a faca na criança.
Fui na gravação em uma das casas do Renato Aragão, em Vargem Pequena aqui no RJ, e foi bem divertido.
Conversei com Cláudia um bocado, e, para minha surpresa, ela quis trocar bastante sobre literatura sobrenatural! Aliás, se mostrou uma leitora voraz, adoradora do mestre de terror Dean Koontz, um dos seus – e dos meus – autores preferidos.
Em suas próprias palavras:
- Ai, por que a gente gosta tanto dessas coisas sobrenaturais?
É compreensível as multidões que ela arrasta.
Ela é o tipo de pessoas que anima o ambiente; parece uma criança, sem parar de fazer piada ou agito o tempo inteiro.
E, independente de qual seja o seu gosto musical, em pouco tempo de contato qualquer um consegue perceber que ela não é um estrela fabricada pela mídia pop.
Ela realmente brilha.
Logo, foi interessante ouvir dela como é, na visão dela, estar em cima do palco, e como é estar fora.
A produção tirou às pressas, naquele mesmo dia, o Marcos Gimenez lá das areias da praia da Barra, meteram o rapaz em um chuveiro, depois em um figurino, e logo Toth Brondi já estava o dirigindo ali no clipe.
E as consequências?
Bom, “Bola de Sabão” se tornou na época o maior hit da banda baiana, e preparou o caminho para a carreira solo de Cláudia.
E o videoclipe? Ainda com a necessidade de ser cortado pela metade, o produto final agradou aos fãs.
Resultado final: mais de dois milhões de acesso no You Tube, e finalista do “Prêmio Multishow” e do “Meus Prêmios Nick”, dos canais Multishow e Nickelodeon.
E Cláudia me fez prometer – três vezes – entregar a ela o primeiro romance do meu universo sobrenatural, quando este fosse lançado (”Ai, eu vou contar pra todo mundo que você fez o meu clipe!!!”).
Felizmente, hoje, quase três anos depois, eu já vou poder cumprir a promessa…
Bolt
Bolt acabou sendo o primeiro filme que assisti no cinema em 2009, da lista de filmes que têm de ser vistos nessa temporada “fim de ano-início de verão”.
Existem duas coisas que se vêem logo de cara, sem que precisem estar escritas nos créditos da animação. A primeira é que é um filme da Pixar. A segunda que é um filme de John Lasseter.
Existem duas forças que revolucionaram a animação monopolizada pelo 2D da Era Disney: a Pixar com Toy Story, e a Dreamswork com Shrek.
A Pixar revolucionou pelo 3D, e pela estrutura de roteiro.
Já Shrek revolucionou pela computação gráfica, e… bom, pela estrutura de roteiro.
Funciona assim: a Pixar relê em seus filmes “A Jornada do Herói” de uma forma carismática com um texto jovem e subtexto adulto; a Dreamswork debocha e esculacha por completo essa jornada (embora a siga com texto jovem e subtexto adulto).
Na Pixar, os personagens caminham pela jornada clássica de maneira criativa; na Dreamswork, eles caminham de maneira inversa.
Ambas chegam ao mesmo lugar: lideram bilheterias.
E, falando especificamente da Pixar já que Bolt é o tema, não há como desassociar essa revolução com o nome John Lasseter.
Foi ele o sujeito que dirigiu Toy Story 1 e 2, Vida de Inseto, e Carros. É dele o toque de midas como produtor em todos os grandes sucessos da Pixar, desde “Procurando Nemo” a “Monstros” ou “Os Incríveis”. E é ele hoje a mente criativa que mantém a Pixar na elite, e salvou a Disney da falência.
E o mais curioso é que Lasseter é um sujeito tão visionário, que foi demitido da Disney em 1983, exatamente por querer filmes feitos com computação gráfica.
Hoje ele é o chefe criativo tanto da Pixar, quanto da própria Disney.
E vê-se que Bolt tem todo o dedo dele, embora não seja dele a direção (aliás, o nome nos créditos “Renato dos Anjos” é realmente de mais um animador brasileiro arrebentando por lá; um dos responsáveis pelas movimentações do cachorro).
A estrutura segue a mesma de Carros, com um herói contaminado pela fama (em Carros era um deslumbre; aqui é inconsciente, apenas o único mundo que o personagem conhece), que precisa fazer uma viagem de autoconhecimento para descobrir quem realmente é (ou o que realmente é).
Na “Jornada do Herói”, um ponto freqüente é a negação inicial que o herói sempre tem frente a missão. Em Bolt essa linha é interessante; ninguém tem de convencer o cachorro que acredita ter superpoderes (porque o criaram em um mundo de televisão falso) de que ele é um herói, como seria o mais comum.
Os outros têm de tentar convencê-lo de que ele não é!
Há referências pops a torto e a direito, e um certo sarcasmo que lembra a estrutura da Dreamswork, em relação a cenas típicas de filme de ação, como ângulos e câmeras lentas. O interessante dos roteiros que Lasseter põe a mão é a preocupação em trazer o público adulto (que leva o filho – e a namorada – ao cinema) para a história, de uma forma que a criança entenda o texto, mas o adulto entenda o subtexto.
Existe uma discussão entre o diretor do programa do Bolt e a produtora de tv que revela bem isso. Ela quer que Bolt tenha menos cenas óbvias para atrair a audiência mais velha, ou eles demitem a equipe toda. De uma construção em forma cômica, Lasseter só está revelando uma verdade dos estúdios de hoje, e uma de suas preocupações mais obssessivas.
Na verdade, funciona assim na teoria: crianças se preocupam com cores em movimento e com uma coisa de cada vez. Algo como: “puxa, olha o gatinho! Ih, olha o passarinho! Nossa, que bonito o castelo!”. As meninas costumam se interessar mais pela parte romântica e emocional dos personagens; e os meninos… bom, da parte de ação e porrada mesmo.
Logo, quando um produtor quer fazer algo pensando em público específico, ele pensa nisso. Quando quer para todas as idades, ele junta os três.
E em Bolt, eles conseguem o feito?
Bom, é um filme de John Lasseter.
Ele sempre consegue.
Conto “Lembranças de Tormenta” (Download)
Em um post anterior comentei sobre uma ligação adolescente com o cenário de Tormenta. Também comentei que naquele tempo havia escrito o primeiro conto da Lista Tormenta, que J.M. Trevisan, um dos autores originais do cenário, pensou em reescrever e assinar como co-parceria.
O tempo passou, e acabou que, quase dez anos depois, reescrevi eu mesmo o conto, e estou disponibilizando aqui para download para aqueles que gostem do cenário, ou sintam curiosidade.
No conto, acompanhamos um personagem que eu nunca gostei, Arkam Braço-Metálico, líder do Protetorado do Reino, uma “tropa de elite” do Reinado de Tormenta, que, por sinal, eu também nunca simpatizei com nenhum dos personagens integrantes, por considerá-los muito presos aos arquétipos do RPG (e aos clichês desses arquétipos), sem exatamente um diferencial que lhes evidenciasse carisma maior.
Arkam Braço-Metálico, para mim, sempre foi apenas um cara mal-humorado, com… um braço metálico. Há uma tentativa de tentar diferenciá-lo pela idéia de todo orc do mundo achar que fora ele quem matou um de seus “parentes” (afinal, todos os orcs parecem de uma única família mesmo…), mas isso se torna apenas uma curiosidade divertida sobre o personagem.
A par disso, ele ainda é apenas um cara com cara de mau e… um braço metálico.
“E por que diabos então você escreveu um conto com ele?” – o narrador de “Dragões de Éter” poderia até perguntar.
E eu responderia: “exatamente por isso”. Afinal, o grande desafio de um “fanfiction” está exatamente em escrever uma história que seu autor goste, mas envolvendo personagens que antes não lhe eram simpáticos, mas que diante de uma outra abordagem, acabam por se tornar.
Para quem nunca ouviu falar, “Tormenta” conta a história de Arton, um mundo de éter high fantasy, que, de repente, é assombrada pela Tormenta, uma tempestade rubra com demônios e partes de um plano inferior que desafiam a sanidade, e destrói a nação de Tamu-ra, espécie de “Japão artoniano”, e parece aos poucos se preparar para avançar pelo resto do continente, além das áreas já tomadas que recebem o nome de “Áreas de Tormenta”.
Em “Lembranças de Tormenta”, o engomadinho líder do Protetorado do Reinado, Arkam Braço-Metálico, precisa da ajuda de um antigo líder aposentado da instituição, que mais parece um sobrevivente carrancudo da nossa II Guerra Mundial, e vai até a cidade de Gorendill tentar convencê-lo.
Mas o embate de ideologia dos dois vai longe, tocando em diálogos afiados que debatem questões obscuras envolvendo o poderoso Imperador-rei Thormy, e até mesmo piadas com o nome de um famoso asilo da DC Comics. Fora que Dredd Murdock diz para o personagem de Arkam tudo o que eu gostaria de dizer se tivesse oportunidade…
Enjoy.
Lembranças de Tormenta – Raphael Draccon – Word (55k)
Lembranças de Tormenta – Raphael Draccon – PDF (42k)